No último workshop que conduzi com os professores da Companhia de Idiomas, refletimos sobre algumas posturas que temos na vida profissional e pessoal: controle e paixão, planejamento e improviso, disciplina e o deixa rolar, que na hora eu vejo. Em qualquer área de atuação encontramos profissionais como Nina Sayers – a bailarina de Cisne Negro, que se fragmenta por dentro ao buscar a perfeição do movimento, através da disciplina excessiva, que a impedia de simplesmente sentir, deixar-se levar, entregar-se. “Let it go!” Repetia seu coreógrafo. E ela… ensaiava. Ele dizia: “A perfeição não está no controle, está na entrega.” E ela… controlava cada passo. Esse conselho do coreógrafo, contudo, não pode ser interpretado como uma motivação para o despreparo. Deve inspirar profissionais a buscar incansavelmente o conhecimento, a preparação, o planejamento – como a bailarina – mas também permitir sempre espaço para o improviso, se for fruto da paixão pelo que se faz, e da compreensão do outro: em nosso cenário, a Companhia de Idiomas, compreensão de quem é o aluno, e do que ele precisa.
[CORTAR]Será que somos capazes de equilibrar o conteúdo que queremos “transmitir” com aquilo que o aluno realmente precisa aprender? Será que não damos aulas sem perceber que muitas delas não têm nada a ver com o aluno, mas apenas com nossa vontade de abordar aquilo, naquele dia?
Andy Warhol é a antítese do personagem de Natalie Portman do filme Cisne Negro. Para mim, sua obra me parece sempre uma grande brincadeira. Mas é séria. Nos faz refletir sobre a cultura massificada, a cópia, a sociedade que só valoriza o consumo, e o que é verdadeiramente talento ou criatividade. Sua obra “Eight Elvises” foi vendida a um colecionador por 100 milhões de dólares, de acordo com a revista The Economist, em 2009. E era uma serigrafia, como tantas outras que fez, não era um quadro pintado a mão. Ele também não se preocupava em criar uma obra perfeita, planejada – deixava, muitas vezes, as imperfeições da impressão, falhas ou manchas de tinta. Que analogia podemos fazer entre sua obra e a nossa obra, ou seja, nossas aulas?
O Rei George, em O Discurso do Rei, de Tom Hooper, também pode inspirar nossa reflexão: ele só consegue vencer seu maior desafio quando se descobre imperfeito, quando se aceita, e adquire autoconfiança para falar em público, graças à coragem de seu terapeuta de fala, um profissional nada convencional e bem criativo. É essa coragem para propor algo novo, sem medo da crítica ou julgamento, que transforma bons profissionais em profissionais brilhantes.
Ótimas reflexões, mas, e no dia a dia? O professor planeja a sua aula, de acordo com a proposta pedagógica, plano de ação, plano de aula. Quando começa a explorar o conteúdo, seu aluno faz uma pergunta um pouco diferente do assunto que seria explorado no dia. O professor ouve e se vê diante de um dilema: o que fazer? Responder a pergunta objetivamente e continuar “a aula planejada” ? Anotar a questão e dizer que responderá ao terminar o que está expondo? Anotar a pergunta e pedir ao grupo que pense na resposta? Solicitar ao aluno que anote a pergunta e a repita ao final da aula? O professor deve saber analisar, em fração de segundos, se a pergunta contribui para o desenvolvimento do tema abordado. Se a aula for para um grupo, deve ter cuidado para não iniciar ali um diálogo apenas com aquele aluno, que pode ter um nível de compreensão conceitual mais alto que a classe, desmotivando os outros, por não entenderem a pergunta ou a resposta. Pode sinalizar a necessidade de uma atenção individualizada ao aluno que formulou a pergunta, uma vez que esta demonstra que o mesmo não está acompanhando o conteúdo. Enfim, o professor não pode esquecer seu planejamento todas as vezes que um aluno fizer uma pergunta fora do script, mas também não pode elaborar um planejamento refratário a improvisos.
O plano precisa existir : o método, o objetivo de cada curso, o prazo, o estágio, a aula. O objetivo não pode ser esquecido. Mas o improviso precisa fazer parte do plano.
Se o objetivo estiver claro, a atividade pode ser mudada, como um improviso planejado. É possível incorporar o improviso ao planejamento – como parte da sua essência, e não como adorno ou concessão. O improviso deve ser considerado um espaço legítimo da flexibilidade e da inovação na aula. Ater-se apenas ao que foi planejado é matar a inovação, é impedir que o aluno seja parte do processo. E quando o professor preserva o planejamento sem flexibilizá-lo, dando aulas repetidas a alunos diferentes por vários anos, enterra qualquer chance de obter resultados consistentes naquele curso, pois não enxerga mais o aluno e suas necessidades e motivações.
Citando uma frase de Andy Warhol: “Temo que se você olhar para alguma coisa por muito tempo, ela perderá totalmente o significado.”
Se você está fazendo a mesma coisa há algum tempo, fique atento para combinar técnica e sensibilidade, planejamento e improviso, ciência e arte, disciplina e prazer, razão e afeto, transmissão de conteúdo e reconstrução do conhecimento. Quando o profissional – em qualquer área – conseguir vencer este desafio, acabará a inflexibilidade catatônica que emburrece a todos nós, um pouquinho, todos os dias.
Rosangela F. Souza é sócia-diretora da Companhia de Idiomas, Especialista em Gestão Empresarial, com MBA pela Fundação Getulio Vargas e aluna do curso de Docência da FGV.