Nosso cérebro adora viajar! Ele vagueia e nos leva para acontecimentos passados, alegres ou tristes, também nos transporta para o futuro, cenários imaginários, sonhos e outras reflexões internas. Essa atividade se chama modo padrão. Quase impossível silenciar a mente e seu ímpeto voraz de viajar no tempo.
Se as palavras da mente esculpem o passado de acordo com o que nos lembramos e com o que interpretamos, estabelecendo uma narrativa para seguirmos em direção ao nosso futuro, torna-se fundamental entender que narrativa é essa da qual somos o personagem principal.
Ela pode ser uma voz interior sábia e orientadora ou pode ser nosso pior crítico como uma criptonita destrutiva. Neste segundo caso, ela é mais um falatório mental, que consiste em emoções e pensamentos negativos cíclicos que transformam nossa capacidade singular de introspecção, nossa viagem interior, em uma maldição e não um presente.
Essa ruminação verbal concentra nossa atenção estritamente na fonte de nossa aflição emocional, roubando neurônios que poderiam nos ser úteis. Congestionam as funções executivas do cérebro realizando uma “tarefa dupla” – a tarefa de fazer tudo o que queremos e precisamos no dia a dia e a tarefa de ouvir nossa dolorosa voz interna. Neurologicamente, é assim que o falatório divide e confunde nossa atenção, causando improdutividade, dificuldade para reter informações, por fim, deixando-nos exauridos ao final do dia.
Quando nos vemos sobrecarregados pela emoção, uma das coisas que nossa voz interior faz é focar nos obstáculos que encontramos, excluindo praticamente tudo mais. A existência de uma ameaça, como ter de se expor, falar um idioma estrangeiro em uma reunião com pares e gestores, dispara uma cadeia de reações químicas que liberam adrenalina na corrente sanguínea. Ela provoca o batimento mais rápido do coração, aumenta a pressão arterial e os níveis de energia, e aguça nossos sentidos. Momentos depois, o cortisol é liberado para manter os níveis de energia e os motores a jato funcionando. Se essa situação acontecer repetidas vezes gerará o estresse.
Só que as palavras que passam por nossa cabeça podem nos desmontar, mas também podem nos levar a realizações significativas, se soubermos controlá-las. Uma técnica para nos afastarmos deste falatório é exercer o distanciamento, olharmos para a situação, como se estivéssemos de fora, ouvir o falatório como se não fosse em nossa mente e nos chamarmos pelo nome, ou seja, em terceira pessoa, e começar uma argumentação com esta voz interior. Não devemos aceitar tudo que nossa mente produz contra nós como verdades absolutas. Até porque, na maioria das vezes, essa voz interior é apenas uma reprodução de críticas que ouvimos no passado, dos pais, professores, colegas, gestores, e de situações que nos provocaram vergonha.
O fato é que nós temos dificuldades de nos vermos com esse distanciamento e a mesma objetividade com que vemos os outros. É muito mais fácil criticar e dar conselhos a outras pessoas sobre ações e atitudes que, raramente, conseguimos aplicar em nossas próprias vidas. O distanciamento nos leva à sabedoria. A sabedoria envolve usar a mente para raciocinar construtivamente sobre um determinado problema que envolva incerteza. Busque amigos ou parceiros que o ajudem nesta jornada. Você não é o único, pelo contrário, todos nós temos esse mesmo desafio de domar o falatório negativo da nossa voz interior. Vamos começar?
Escrito por Lígia Crispino para a revista Exame.
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