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A hora certa do elogio - Companhia de Idiomas

A hora certa do elogio

Por André Moragas

Faz algum tempo escrevi sobre a “tara por feedback” que existe hoje nas corporações. A ideia inicial não era discutir a importância da comunicação entre chefes e subordinados, mas alertar para o exagero no qual esse tema estava se transformando. Isso inclui a vida pessoal – depois do texto publicado muita gente veio me contar que já recebeu feedback da mulher, do filho, em situações cotidianas e até por desempenho sexual. Ou seja, de fato o exagero anda reinando no mundo dos “feedbackianos” (não resisti ao neologismo).

[CORTAR]Mas o que me preocupou é que muita gente também me escreveu defendendo a importância dessa prática e afirmando que, se não fossem esses momentos de feedback programado, nunca receberia um elogio do chefe (lembrando que o feedback programado, segundo os consultores do tema, tem sempre que ressaltar os pontos fortes do profissional e apontar as “oportunidades de melhorias”. Consultor que se preza nunca fala em “pontos fracos”, mas isso é assunto para outro post).

Confesso que fiquei intrigado com essa “carência de elogios” relatada nos e-mails e me pus a pensar sobre o assunto com um pouco mais de calma. Logo me veio à cabeça uma frase que já ouvi muito na infância, adolescência e que continuo ouvindo. A famosa: “foi só elogiar…” e demais variações, proferidas sempre depois que alguém faz alguma coisa errada e tinha acabado de receber um elogio. O pessoal mais supersticioso acredita até que “é melhor não elogiar”, pois basta fazer isso para alguma coisa desandar. Atire a primeira pedra quem nunca pensou isso quando, por exemplo, entrou em um engarrafamento monstruoso e tinha acabado de falar bem da fluidez do tráfego. Geralmente vem logo um “putz, por que eu fui falar?”.

A verdade óbvia é que os momentos de vitórias e de fracassos, de coisas boas e ruins, de bons resultados e trapalhadas imensas, de acertos e erros são cíclicos durante toda a nossa vida. Dessa forma, é claro que não é o elogio que influencia ou gera um problema logo adiante. Desculpem-me novamente os mais supersticiosos, que neste exato momento leem o texto se benzendo, fazendo sinal da cruz e dando três pulinhos enquanto beijam um pé de coelho e colocam um pé de arruda atrás da orelha.

No entanto, sabedor desse segredo, conclui-se que faz uma diferença enorme a falta de um bom elogio. E até mesmo o adiamento desse. Isso porque, como todo ser humano que se preze, todos nós somos implacáveis na hora de apontar as falhas e não abrimos mão de dar “aquela bronca bem dada” quando algo dá errado. Muito menos pensamos em adiar o esporro, mesmo que seja por alguns minutos. A reação é praticamente automática, visto que somos treinados para isso desde a infância pelas broncas dos nossos pais. Detalhe: alguns ainda ouviam a famosa frase “não fez mais que a obrigação” quando tirava notas altas. Quase que um adestramento canino.

Já o elogio só acontece se sobreviver a infinitas barreiras do “se”. Se a pessoa estiver no momento perto de você, se o seu humor permitir um elogio naquele momento, se você tiver tempo para isso, se o telefone não tocar na hora e você esquecer, e toda a sorte de acontecimentos, por mais banais que sejam, que possam fazer com que aquele momento passe. E aqui também vale o ensinamento do adestramento canino: se o elogio não sai na hora certa, muitas vezes a pessoa elogiada não consegue fazer a ligação entre o fato e a ação, e o elogio acaba ficando sem sentido.

O grande problema é que, como os momentos de altos e baixos de qualquer profissional são cíclicos, como já comentei, o elogio também perde o sentido quando adiado e afrontado com alguma falha do mesmo profissional. Outro dia fiz um exercício para comprovar essa tese. Depois de fazer um elogio a uma pessoa da minha equipe pelo excelente trabalho, fiz questão de enviar um email reforçando o que tinha falado. E guardei o texto para ler ao primeiro deslize daquele profissional.

Dito e feito. Algumas semanas depois, o mesmo profissional cometeu uma falha que valeria uma boa conversa no pé do ouvido. Mas, antes de fazê-lo, abri e li novamente a mensagem de elogio. Primeira certeza: se não tivesse enviado aquela mensagem a tempo, ela nunca seria escrita. Segunda certeza: diante da frustração da falha do profissional, uma breve sensação de arrependimento pela mensagem me passou pela cabeça (lembrem-se de que estamos mais treinados para as broncas). Terceira certeza: adotaria daqui para frente o costume de enviar mensagens de elogios, mesmo que o transmitisse pessoalmente, para deixar registrado esses momentos de vitória. Tanto para mim quanto para o meu funcionário.

Só para fechar a história, no lugar de um e-mail registrando a bronca, que acreditava ter que enviar a esse funcionário, repassei novamente a mensagem de elogio de semanas atrás com a seguinte frase: “tenho certeza de que essa falha de hoje não vai impedir que novos e-mails desse tipo sejam escritos no futuro”.

Fonte: O Globo

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