A carreira nas alturas
Dificuldades com o idioma passam a incomodar cada vez mais os profissionais do mercado, que lotam cursos de reciclagem em português e comunicação
Adriana Natali, Revista Língua Portuguesa
A água está no joelho dos profissionais do mercado. As debilidades na formação em língua portuguesa têm alimentado um campo de reciclagem em português nas escolas de idiomas e nos cursos de graduação para pessoas oriundas do mundo dos negócios. A disciplina de Português Instrumental emerge na graduação de cursos da área de negócios. Várias escolas de idiomas têm ampliado o número de cursos de língua portuguesa para brasileiros que percebem a necessidade de atualização.
O que antes era restrito a profissionais de educação e comunicação, agora já faz parte da rotina de profissionais de várias áreas. Para eles, a língua portuguesa começa a ser assimilada como uma ferramenta para o desempenho estável. Sem ela, o conhecimento técnico fica restrito à própria pessoa, que não sabe comunicá-lo.
[CORTAR]- Embora algumas atuações exijam uma produção oral ou escrita mais frequente, como docência e advocacia, muitos profissionais precisam escrever relatório, carta, comunicado, circular. Na linguagem oral, todos têm de expressar-se de forma convincente nas reuniões, para ganhar respeito e credibilidade. Isso vale para todos os cargos da hierarquia profissional – explica Maria Helena Nóbrega, professora de língua portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da USP.
Indicadores
A crescente valorização do domínio do idioma no mercado de trabalho vem sendo apontada por diferentes indicadores. Em 2007, uma pesquisa realizada pela Johnson O’ Connor Research Foundation em conjunto com um doutor em linguística, Paul Nation, professor da Victoria University of Wellington, na Nova Zelândia, comprovou que o uso eficiente da língua influi na carreira profissional. Segundo o estudo, feito em 39 empresas americanas, a chance de ascensão profissional está diretamente ligada ao vocabulário que a pessoa domina. Quanto maior seu repertório, mais competência e segurança ela terá para absorver ideias e falar em público.
– Ou seja, hoje em dia, saber um segundo ou terceiro idioma é pré-requisito para se conseguir bom emprego ou promoção, mas muita gente se esquece de que o domínio da língua materna pode ser o diferencial para a sua valorização – diz a coordenadora pedagógica do Centro de Ensino Fisk, Vera Laurenti Bianchini.
A competência comunicativa garantiria potencial para ampliar a “empregabilidade” de um profissional. Desde o processo de seleção, as empresas buscam pessoas que saibam comunicar-se com clareza e poder persuasivo. Nas dinâmicas de grupo, além de habilidades de relacionamento e liderança, os selecionadores verificam a capacidade comunicativa do candidato.
– Pequenos deslizes (evitar contato visual com os ouvintes, gesticular em excesso, apresentar problemas de dicção ou vocabulário limitado) podem ser fatais e pretexto para a pessoa não ser contratada. Algumas empresas solicitam redação e, pelo texto, avaliam a argumentação daqueles que pretendem representá-las no mercado – diz a professora da USP.
Procura
O fraco domínio da língua pode ser uma barreira, ao manter contato com clientes por telefone ou e-mail; ao escrever relatórios e fazer apresentações no trabalho; na preparação para concursos e vestibulares. Mas pode ser resultado direto da mera vontade de retomar os estudos, compreender melhor o que lê e escrever com mais clareza.
A percepção de que a deficiência do idioma é crescente parte do próprio mercado, que enche as salas de aula de português para brasileiros. A escola de idiomas Fisk oferece o curso “Português sem Tropeços” desde o segundo semestre de 2008 e hoje atende a mais de 5 mil alunos em todo o país. Foi a valorização da língua materna por empregadores o que levou a escola a identificar a necessidade da criação desse curso.
– Embora os empresários busquem quem fala idiomas estrangeiros, o profissional não pode descuidar da própria língua. Quem não tem o domínio dela não vai dominar outros idiomas e será malvisto nas entrevistas de trabalho – explica a professora Vera Bianchini.
O foco do curso de Vera é o esclarecimento de dúvidas comuns aos falantes brasileiros e, consequentemente, o aprimoramento das habilidades de escrita e de expressão oral. De acordo com a coordenadora pedagógica do Centro de Ensino Fisk, o curso não se restringe nem à redação nem à gramática. A gramática é explicada de modo contextualizado dentro do panorama profissional para que os alunos pratiquem a língua culta oralmente e, desse modo, tornem-se mais confiantes ao se expressarem. Além disso, exercícios de leitura e de vocabulário possibilitam a expansão do conhecimento lexical dos alunos, contribuindo para o desenvolvimento da habilidade de escrita deles.
Dúvidas
Outra escola, a Companhia de Idiomas, oferece, há dez anos, cursos em empresas, atendendo a demandas detectadas pelos departamentos de Recursos Humanos (RH) ou solicitações de profissionais. O antigo curso de reciclagem hoje é chamado oficina de comunicação.
– Quando a solicitação vem da direção ou do RH da empresa, muitos alunos não querem dispor do tempo que têm para estudar português. Se dermos o nome de curso de português, eles não enxergam como algo importante para a carreira. Lembram-se das aulas de português da escola, da gramática complexa do idioma. Há muitos alunos que não gostam de estudar gramática. Por isso, é importante explicar tudo com clareza e envolver a equipe que precisa desse tipo de treinamento para que comprem a ideia, e vejam as vantagens que conquistarão – afirma Lígia Velozo Crispino, professora da Companhia de Idiomas, que atende a cerca de 150 alunos no curso.
O público de Lígia é formado, principalmente, por profissionais da área de vendas, compras, marketing e gestores em geral, em que a interação com pessoas é maior. Língua pediu a ela que listasse os problemas com o idioma típicos de profissionais do mercado (as indicações, detalhadas pelo colunista e consultor de Língua Josué Machado, compõem os quadros desta página).
Aprimoramento
As aulas são focadas nas necessidades do aluno. Se o aluno quiser melhorar sua comunicação oral, o foco maior das aulas será para esta habilidade. Caso o desafio seja a comunicação escrita, ele deverá fazer exercícios extraclasse. As apostilas são exclusivas, com base nas informações coletadas em reunião para mapeamento de necessidades e expectativas do cliente, aliado ao resultado detectado no teste inicial para diagnóstico das áreas de atenção. Em casos em que a comunicação oral é crucial, são desenvolvidos vídeos para que o aluno possa observar o próprio desempenho.
Erros de grafia e concordância, vícios de linguagem e uso inadequado de vocabulário são comuns. Mas isso não é justificativa que desfaça a má impressão causada por falha cometida num atendimento a cliente, em uma entrevista de emprego ou em quaisquer outras situações.
– No geral, notamos grande dificuldade em concatenar ideias e construir um texto coerente e coeso. Alguns alunos tendem a repetir palavras e expressões, demonstrando falta de vocabulário; outros constroem parágrafos muito curtos ou muito longos (sem que isso seja questão de estilo, mas falta de conhecimento da estrutura do texto). Em termos gramaticais, são comuns dúvidas sobre crase, pontuação, concordância verbal e nominal. É grande também a confusão causada pelas novas regras do Acordo Ortográfico – explica Vanessa Prata, professora da Companhia de Idiomas.
Dificuldades
Já Vera Bianchini, da Fisk, afirma que, na escola, há pessoas que se antecipam e decidem fazer o curso espontaneamente. Há outras que só tomam consciência de suas dificuldades quando passam por uma experiência negativa e comprometem sua imagem ao não conseguir se expressar adequadamente.
Para Maria Helena da Nóbrega, da USP, embora a divulgação de questões idiomáticas ainda esteja restrita à gramática normativa, analisada só como manual de etiqueta para situações formais de uso da língua, as maiores dificuldades situam-se na organização textual: falta de clareza, coesão e coerência, impossibilidade de defender a posição com argumentação convincente.
– Tropeços redacionais revelam pouca familiaridade com a estrutura do texto escrito e no geral decorrem de pouca leitura. Afinal, como se aprende a escrever? Tudo indica que a leitura é uma fonte que não pode ser desprezada: ler, ler, ler. Além disso, praticar a escrita é importante. Finalmente, exercitar o que escritores experientes nos ensinam: escrever é reescrever. Sem releitura atenta há grande chance de insucesso na produção textual – conclui.
Confira os principais “tropeços” da língua no site da revista.